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18 de mar. de 2024

[Poesia] A CASA ABANDONADA - Pedro Luso de Carvalho

 




A CASA  ABANDONADA

        - Pedro Luso de Carvalho



Festas e risos na casa,

inveja de muitos,

amor no seio da casa

duas almas guardadas,

tesouro vigiado.



Um dia Maria partiu

na madrugada fria,

como fazem os ladrões,

sem se importar com quem ficou.



Lá ficou João que amava Maria,

de Maria não mais falava,

na casa triste,

carente dos risos

e da voz doce que o encantava.



Grande demais era a casa

para João,

tão pequeno,

sem Maria.



Hoje, os que passam à noite

em frente da silenciosa casa,

ouvem gritos de dor

e uma voz a chamar:

Maria! Maria!




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4 de mar. de 2024

[conto] O MENINO - Pedro Luso de Carvalho

 



O MENINO

                              - Pedro Luso de Carvalho



      Manuel, homem dedicado à família e ao trabalho, aos domingos deixava a fazenda bem cedo, com a mulher e o filho, para chegar à igreja da vila antes do início da missa. Não se esquecia da advertência do padre Onofre: “Às dez horas começa a Santa Missa, caros irmãos, com a pontualidade que deve ser respeitada”.

Embora fosse homem de poucas rezas, Manuel apreciava os sermões breves do padre Onofre. Diante dele, não se sentia pecador por não dedicar mais tempo à igreja. Mas não se esquecia do que sempre dizia, do púlpito: “A qualquer momento, podemos ser chamados para prestar contas ao Senhor”.

Era um domingo, Manuel dirigia o carro com desatenção, lembrando-se do filho de cinco anos, que perdeu. Nessas viagens, que faziam para assistirem à missa, sentia o frio de sua ausência. Desviava os olhos da estrada, às vezes, para olhar sua mulher. Vi-a triste, por não se conformar com a morte do menino.

No vilarejo, algumas pessoas perguntavam ao padre Onofre qual fora o motivo da morte do menino. Para acabar com a curiosidade, o padre resolveu fazer a pergunta ao Manuel. No dia e na hora marcada Manuel entrou na sacristia, onde o padre esperava por ele. Curvou-se para beijar o anel na mão do padre Onofre.

Padre, eu poderia ter evitado a morte do meu filho.

Estou aqui para ouvi-lo, Manuel.

Como o senhor sabe, meu filho era uma criança dócil. Era um anjo, como dizia a mãe.

O homem contou ao padre que, quando seu filho tinha pouco mais de quatro anos encantou-se com o arvoredo; falou da preferência do menino por quatro árvores, muito grandes, entre outras tantas, que cobriam uma parte do terreno da sua fazenda. “As quatro árvores tinham nomes, que foram dados por meu filho”, disse Manuel.

Fale mais sobre o menino – pediu-lhe o padre.

Cerquei essa parte da fazenda, como a mulher havia pedido.

Não se acanhe, prossiga.

Um tanto nervoso, Manuel explicou que foi sua intenção ampliar os estábulos da fazenda, e que, para isso, teria que limpar o terreno com o corte das árvores. Disse-lhe que havia falado à mulher sobre esses planos, e que ela se opôs com energia: “Não faça isso, essas árvores são os amiguinhos do nosso filho, homem”.

Continue – pediu-lhe padre Onofre.

Manuel contou ao padre Onofre que não quis ouvir a mulher, e que certo dia mandou o menino para a casa de uma tia, na cidade, para que ele não visse o corte das árvores. “Padre, quando o menino voltou para casa, correu ao encontro de suas árvores e encontrou apenas os tocos delas, muitos tocos” – disse, com esforço.

Quando meu filho viu os tocos das suas árvores, padre, passou a gritar como se estivesse louco.

Prossiga, Manuel.

Depois o menino abraçou um dos troncos, repetindo os nomes das suas árvores favoritas.

Continue – disse padre Onofre.

Após esse dia, padre, o menino não comeu mais. A mãe pedia que comesse alguma coisa, mas ele se recusava. Chamei um médico, ele receitou alguns remédios, mas o menino não tomou.

Condoído pelo estado de espírito de Manuel, que tinha os olhos marejados, muito nervoso, tremendo algumas vezes, padre Onofre levantou-se e colocou a mão sobre o ombro do homem, para confortá-lo. Esperou um pouco, depois pediu a ele para continuar.

Faz mais de um ano que perdemos nosso filho, padre Onofre – concluiu Manuel.

No meio da tarde, o homem despediu-se do padre Onofre. Na estrada, que cortava em duas partes o campo amplo à sua frente, Manuel levava consigo o mesmo sentimento de culpa. Talvez a ação do sol forte sobre o para-brisa do carro tivesse lhe dado à impressão de que seu filho o acompanhava, correndo sobre o asfalto.

Quando Manuel chegou em casa, sua mulher esperava-o ansiosa, querendo saber o que a conversa com o padre Onofre poderia acrescentar na vida do casal. Mantinha a esperança de que o padre tivesse iluminado o marido. A pressão no peito foi o sinal de que alguma coisa estava por acontecer, para aliviar a dor e a saudade.

Mulher, amanhã nós vamos começar a plantar muitas árvores; vamos refazer o arvoredo do nosso filho – disse Manuel, com firmeza.

As muitas árvores, que foram plantadas, cresceram robustas, criando um colar verde em torno da casa. Os passarinhos ali construíram os seus ninhos. Manuel e a mulher envelheceram. Em frente ao arvoredo eles sentiam a presença viva do filho, e, às vezes, o viam correr risonho por entre as árvores, como sempre fazia.




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23 de fev. de 2024

ANSIEDADE – Pedro Luso de Carvalho

 




ANSIEDADE

    - Pedro Luso de Carvalho



Há um grito preso no peito,

um grito de revolta e dor,

crianças morrendo de fome,

diante de pratos vazios.


O grito preso é punhal,

punhal a ferir consciência,

tanta fome para matar,

as crianças para salvar.


O grito permanece preso,

e no peito o mesmo punhal,

e a fome nas casas humildes

estenderá manto de morte.


Mas quem sabe solte esse grito,

esse punhal preso no peito,

quando honestos forem eleitos

e a fome uma mancha na história.




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13 de fev. de 2024

[Filosofia] SOMOS NÓS, OS LOUCOS? – Pedro Luso de Carvalho


       Grito 1984 - Iberê Camargo - Porto Alegre/Brasil    Das Artes         





                 SOMOS NÓS, OS LOUCOS?

                           - PedrLuso de Carvalho




Quando convivemos com pessoas mentalmente desequilibradas, podemos duvidar de nossa própria sanidade, caso essas pessoas consigam nos impor suas vontades e suas ideias.

É quase certo que conseguirão esse intento mediante ardis engendrados contra nós, que serão imperceptíveis.


 

 

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4 de fev. de 2024

FÚRIA DA NATUREZA – Pedro Luso de Carvalho




 

FÚRIA DA NATUREZA

Pedro Luso de Carvalho




As águas estão sossegadas,

o rio corre calmamente,

protegido pelas margens,

encantado pelo murmúrio.


Depois se mostra outro rio,

um rio em pleno desatino,

furioso como toda gente,

que faz das matas carvão.


O rio pede ajuda ao vento,

depois ventania e furacão,

pronto para tudo destruir,

animais e gente as vítimas.


Vinga-se então a natureza,

amostra do que virá depois,

mais destruição ainda virá,

já que a ambição nada vê.





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29 de jan. de 2024

DESCRENÇA – Pedro Luso de Carvalho

 




DESCRENÇA

       – Pedro Luso de Carvalho



A roda do mundo não muda,

é a mesma roda a girar,

gira e gira enlouquecida

com gente ruim a comandar.


Passa século e entra século

sempre do mesmo jeito,

sempre com a mesma fúria,

roda de dor e de morte.


Prossegue a roda do mundo,

busca incontida do lucro,

mistura de ouro e sangue,

e a roda sobre cadáveres.


A roda do mundo não para,

é dos poderosos a roda,

mães e filhos não importam,

antes da vida lucro e poder.




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21 de jan. de 2024

A VIDA – Pedro Luso de Carvalho

 


                                                 

                                                     A VIDA

                                                           - Pedro Luso de Carvalho



A vida que tenho é esta,

cheia de altos e baixos,

como é a vida de todos;

um dia chove outro faz sol.


A vida que tenho é esta,

não é a vida dos sonhos,

mas não é a dos pesadelos,

e não poderia ser melhor.


A vida que tenho é esta,

nenhuma fortuna herdei,

o que tenho não é muito,

de muito mais não preciso.


A vida que tenho é esta,

e outra vida não quero,

navego em águas calmas

e sei das margens do rio.




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7 de jan. de 2024

POR ONDE ANDEI - Pedro Luso de Carvalho

 

Alberto da Veiga Guinard - Paisagem Imaginária 1947



           POR ONDE ANDEI

                                 – Pedro Luso de Carvalho




Em tudo tocaram os meus pés,

pelos caminhos por onde andei:

no nobre jacarandá,

na preciosa esmeralda,

no viscoso barro, também pisei.



Pela ventura de ter o que preciso

se merecido não sei – não pensei

no desperdício, nem nas bocas secas

de sede e fome de tantos esfarrapados

aqui vivendo à sombra de rota bandeira.






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15 de dez. de 2023

OPRESSÃO – Pedro Luso de Carvalho


Foto CNN BRASIL

 



OPRESSÃO

      – Pedro Luso de Carvalho




O muro é o meu limite,

mais que muro,

na verdade paredão

feito prisão.

Paredão, e depois?


Depois, a angústia,

angústia pela opressão,

terrível muro,

mais que isso,

paredão intransponível.


Esse é o triste limite,

imposto pelo poder,

poder de um lado,

oprimidos de outro,

no pobre mundo invisível.





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4 de dez. de 2023

FUGA – Pedro Luso de Carvalho




 

     FUGA

           – Pedro Luso de Carvalho



Pensei em ficar, mas desisti,

e parecia ser bom ficar,

nenhum lucro teria aqui,

encontrarei melhor lugar.


O lucro que quero é outro,

vida muito calma e correta,

não me fale do roubo doutro,

quero viver a paz completa.


Hei de encontrar esse lugar,

seja aqui ou em outro planeta,

sem juiz para condenar,

e sem ladrão a paz é completa.


De lá a Pasárgada irei,

de Bandeira nobre lugar,

ou Maracangalha do rei,

do rei Caymmi no seu cantar.





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24 de nov. de 2023

MISÉRIA – Pedro Luso de Carvalho

 





MISÉRIA

   – Pedro Luso de Carvalho




O homem sente falta de ar,

pés gelados pelo frio,

pobre, não quer esmolar,

dor no estômago vazio.


Fome faz parte da vida,

vida sofrida de pobre.

Frio na noite comprida,

sua miséria não encobre.


Quer a comida que sobra,

fome sobe à cabeça,

corpo e mente tudo cobra,

homem pede que anoiteça.


E na noite a fome cresce,

sem força cai na calçada,

e sobre ele uma luz desce,

leva-o para outra morada.




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13 de nov. de 2023

DA LIBERDADE – Pedro Luso de Carvalho


 

       

DA LIBERDADE

                        – Pedro Luso de Carvalho



O poeta quer cantar a liberdade,

já liberto de todas as amarras.

Nascerá o poema pela dor,

dor e névoa na vida do poeta.


E pede mais o tema liberdade,

argumento racional é pouco,

livre é a gaivota no seu voo,

é pássaro voando no céu azul.


O poeta vê leveza no tema,

vê esse tema com certa paixão,

liberdade mora na natureza,

distante da voracidade do homem.


O poeta de volta à planície,

observa fogosos cavalos juntos,

cavalos selvagens em disparada.

Dos cascos, ruídos da liberdade.





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5 de nov. de 2023

ETERNIZADAS ESTÁTUAS – Pedro Luso de Carvalho

 

Giorgio De Chirico      (Das Artes)




ETERNIZADAS ESTÁTUAS

                     – Pedro Luso de Carvalho



Vi o sol morrer naquela tarde quente,

os namorados deixavam a praça,

ficaram solitárias estátuas,

lua e as estrelas desceram com luz.


Estátuas com nobres companhias,

tanta confraternização na praça,

o bronze das estátuas com brilho,

ato amoroso descido do céu.


Findou-se a noite de verão na praça,

praça banhada de sol na manhã,

árvores protegem os namorados,

o sol aquecerá as estátuas.


E na praça viverão as estátuas,

homens e mulheres vivas no bronze,

os heróis e heroínas eternizadas,

presença de metal presa na praça.




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24 de out. de 2023

FATAL MOMENTO – Pedro Luso de Carvalho

 



FATAL MOMENTO

          – Pedro Luso de Carvalho



Eis que o ódio chega num turbilhão,

névoa esconde a claridade do dia,

logo o calor quebra o frio polar,

a mente do homem é um redemoinho.


Tencionam-se os músculos do homem,

as veias dilatam-se nos seus olhos,

no pescoço dilatam-se as artérias,

assim chega a forte pressão do sangue.


Suor encharca o rosto macilento,

riacho preso cai feito cascata,

e no rosto do homem confusão e dor,

é a mais perfeita estampa do ódio.


Secura na boca, marca do ódio,

um ódio nascido de infame injúria,

forte tremor no corpo, voz sumida –

Veia rompida, cérebro inundado.





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